A cena cultural desenvolve o município social e economicamente, abrangendo diversos setores em prol de uma mesma causa

 

“Temos fome, fome de tudo. Fome, fome do mundo. Assim eu sou, um saco sem fundo. Assim eu vou, sem medo do escuro”. Com esse trecho, a banda ponta-grossense Cadillac Dinossauros entoa o refrão da música “Fome”, do álbum de mesmo nome lançado em 2016. Pode parecer provocação, e é. As pessoas realmente têm fome de tudo. De comida, diversão e cultura. E a cena musical do rock em Ponta Grossa também sente essa fome e produz o alimento, pois promove não apenas a cultura, mas auxilia no desenvolvimento social e econômico do município.
Ponta Grossa, com os seus mais de 300 mil habitantes, é considerada uma cidade repleta de belezas naturais, atrativos turísticos e muita cultura. Durante todo o ano, é possível participar de eventos capazes de envolver diferentes públicos e que promovem o contexto cultural local. Mas não apenas isso. A cena cultural desenvolve o município social e economicamente, abrangendo diversos setores em prol de uma mesma causa. Entre elas, é possível citar a cena rock’n’roll da cidade, composta não apenas pelos músicos, mas também por produtores, profissionais de apoio técnico, pelo comércio, pela mídia e pelo público.
A cena é tão reconhecida e relevante que tem o seu próprio festival, o Sexta às Seis. O evento é realizado no Parque Ambiental, localizado ao lado do Terminal Central, permitindo que todos que passam pelo espaço possam conferir os shows sem pagar nada. Além deste, pode-se mencionar o Festival de Música, os eventos promovidos pelos motoclubes e as apresentações em bares e demais estabelecimentos. É a cena acontecendo, mostrando-se, promovendo a cultura e a socialização, e também movimentando a economia. A criatividade e os talentos individuais, portanto, são motores para o desenvolvimento de uma sociedade.
Pode-se dizer, então, que as bandas são empresas, pois nelas é possível encontrar os quatro elementos jurídicos da atividade empresarial: recursos humanos, capital, insumos e tecnologia. Esses elementos se dispõem entre as atividades dos músicos, permitindo que eles possam realizar os seus trabalhos com o auxílio de outros profissionais, como equipes de apoio da banda, agências de publicidade, assessorias de imprensa, técnicos de som, produtores, profissionais de logística, entre outros.

O marketing também se faz importante para as bandas, que precisam se aproveitar de diferentes meios de comunicação para fidelizar e angariar o público. Com a queda na compra de mídias físicas (CDs, discos) e o aumento no consumo digital, os músicos reconhecem a necessidade de terem os seus trabalhos no mundo virtual, nas plataformas de música, nas redes sociais. Aliar a tecnologia às atividades criativas potencializa não apenas a produção, mas também a distribuição, possibilitando o acesso a um maior número de pessoas. E ainda há de se mencionar o fato de essas bandas gerarem receita. Os shows, os produtos (camisetas, canecas, adesivos, chaveiros, cervejas etc), os editais de fomento e, também, o retorno das visualizações nas plataformas digitais são fontes de arrecadação financeira dos artistas.

Entre os exemplos que reúnem os elementos de atividade empresarial, está o trabalho realizado pela banda West Hill em seu novo álbum, ‘Rock’n’Bubble’. Preocupados com a divulgação do material, os músicos procuraram uma equipe de apoio, que realizou a distribuição nas plataformas digitais, fez um planejamento de conteúdo para as redes sociais, organizou as publicações para engajar os fãs e inscreveu a West Hill em editais promovidos pela Fundação Municipal de Cultura (FMC). Ainda, a banda procurou um serigrafista local para a confecção de suas camisetas, que passam a ser comercializadas em uma loja famosa de artigos de rock’n’roll do município. Logo, a iniciativa é capaz de movimentar a economia local, promove a interação entre / com a própria cena e com a sociedade em geral, e propicia a interação entre diferentes setores.
Entretanto, a população nem sempre reconhece a importância da cena nos seus mais diversos aspectos. Cabe às iniciativas pública e privada viabilizarem ações que demonstrem esse significado de que a cultura é uma forma de promoção social. Eventos como o Sexta às Seis são fundamentais para que os músicos apresentem os seus trabalhos, mas ainda falta na comunidade a percepção de que essa atividade é um trabalho que requer esforços como qualquer outro. Os artistas não trabalham apenas no período que estão no palco. São horas de estudo, de ensaio, recursos empregados para a compra de equipamentos e instrumentos, investimentos em marketing, transporte etc. À vista disso, a educação cultural, a conscientização da sociedade se faz por meio de ações que promovam os talentos individuais e que façam com que todos percebam a importância desses profissionais.
Cachê não se negocia. É o preço calculado pelo profissional criativo para cobrir os seus gastos, pagar as suas contas e ter uma porcentagem para guardar. Ao pagar para assistir a um show de uma banda de rock autoral da cidade, o público está não apenas incentivando um músico, mas remunerando-o pelo seu trabalho e fazendo parte da cena e da Economia Criativa. Compartilhar o vídeo novo de um artista que você conhece auxilia-o a levar o seu trabalho para outros públicos. Participar de uma ‘live’ do músico que não pode fazer shows é contribuir para o seu engajamento nas mídias e, consequentemente, atingir mais pessoas. A colaboração entre diferentes setores, a educação e conscientização social, a organização e o planejamento das bandas sendo vistas como empresas são pontos capazes de fazer com que a cena do rock em Ponta Grossa não se mantenha apenas viva, mas que ultrapasse os limites do município.
DAIANI MARTINS MACHADO é formada em Comunicação Social – Jornalismo (UEPG) e Direito (UEPG), especialista em Direito Digital e Compliance, mestre em Ciências Sociais Aplicadas (UEPG) e consultora em Economia Criativa, Comunicação/Divulgação e Propriedade Intelectual para artistas.