Em menos de dois meses, o derramamento de petróleo no Nordeste já atingiu quase 250 locais e afetou ao menos 14 unidades de conservação ao longo de 2.500 km da costa brasileira, matando animais e prejudicando a economia da região. Apesar da proporção recorde do desastre, ainda não foram respondidas perguntas importantes sobre ele, como quem são os responsáveis e quais serão seus impactos ambientais e sociais a longo prazo.

Abaixo, veja o que se sabe até agora sobre as manchas de óleo que atingiram o litoral brasileiro.

Os impactos do derramamento

Até esta segunda-feira (28), o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) havia registrado a presença de óleo em 249 locais de 92 municípios e nove estados do Nordeste, numa faixa que se estende por 2.500 km. É a maior área já afetada por um desastre do tipo, segundo o pesquisador e professor da Faculdade de Oceanografia da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) David Zee.

As primeiras manchas apareceram na Paraíba e em Sergipe no fim de agosto e depois se espalharam para os outros lugares. Em ao menos cem dos locais afetados, o óleo havia desaparecido na visita mais recente feita por técnicos.

O derramamento causou danos a ecossistemas da região. O Ibama registrou 39 animais atingidos, dos quais 25 morreram, e recolheu preventivamente mais de 2.800 filhotes de tartaruga da Bahia e de Sergipe. O ICMbio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) afirmou que 14 unidades de conservação federais foram afetadas.

Atividades que dependem do mar, como a pesca, também foram prejudicadas. O governo liberou o pagamento fora de época de seguro-defeso (benefício pago a pescadores na época de reprodução dos peixes, em que a pesca fica proibida) a trabalhadores das áreas atingidas. Estima-se que até 60 mil pessoas poderão reivindicar o dinheiro, o que representaria um custo de R$ 130 milhões.

Culpado desconhecido

Até o momento existem ao menos quatro laudos indicando que o petróleo cru encontrado nas praias do Nordeste tem origem venezuelana, mas ainda não se sabe quem é o responsável pelo desastre.

Em três desses documentos, os pesquisadores da UFBA (Universidade Federal da Bahia) analisaram amostras de óleo coletadas das praias da Bahia e de Sergipe. Concluíram que os biomarcadores e os isótopos estáveis de carbono das amostras — elementos que permitem a identificação da bacia petrolífera de produção — têm forte correlação com um dos tipos de petróleo que é produzido na Venezuela.

A Petrobras, segundo a Marinha, chegou à conclusão que o petróleo vem de três campos diferentes da Venezuela.

Diferentemente do que o ministro Ricardo Salles deu a entender, isso não significa que o governo venezuelano seja o culpado pelo derramamento, já que o país é um grande exportador do produto (EUA, China e Índia são os maiores compradores), e navios de todo o mundo são abastecidos por lá.

Além de associar o governo venezuelano ao desastre, Salles anunciou que o governo brasileiro pediria formalmente, por meio da OEA (Organização dos Estados Americanos), que o presidente Nicolás Maduro se manifeste sobre o tema.

Essa, porém, não é a principal linha de investigação da Marinha. Os militares afirmaram que pediram esclarecimentos a 30 navios-tanque de 10 países diferentes que passaram perto da costa brasileira na época em que as manchas de óleo começaram a aparecer. Há a suspeita ainda de que o responsável pelo derramamento possa ser um “dark ship”, embarcações que, segundo a Marinha, tentam navegar sem serem detectadas.

Reação lenta

Há indícios de que o governo tenha demorado para responder ao derramamento, embora haja pouca transparência sobre o que foi feito. Um decreto de 2013 prevê que, quando há um derramamento de óleo, Ibama, ANP (Agência Nacional do Petróleo) e Marinha monitorem a situação e decidam em conjunto se deve ser acionado o PNC (Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo), protocolo a ser seguido em vazamentos de grandes proporções.

Essas três entidades formam o chamado GAA (Grupo de Acompanhamento e Avaliação). Segundo o governo, esse grupo foi formado assim que a primeira mancha de óleo foi avistada, na Paraíba, em 30 de agosto. O PNC, no entanto, só foi acionado 38 dias depois, em 8 de outubro, segundo documento obtido pelo jornal O Estado de S. Paulo. Contatados por Aos Fatos, nenhum dos três órgãos se manifestou sobre o porquê da demora.

Em entrevista à GloboNews, o ministro Ricardo Salles afirmou que o acionamento do PNC é apenas uma formalidade e que todas as medidas práticas previstas já estavam sendo tomadas.

É difícil avaliar se a afirmação dele é verdadeira ou não porque o manual do PNC, que detalha os procedimentos a serem adotados nessa situação, nunca foi tornado público, apesar de isso ter sido previsto para 2014, segundo o decreto de 2013.

O jornal O Globo teve acesso a uma versão do manual – que, segundo a reportagem, foi compartilhado apenas entre as cúpulas do Ministério do Meio Ambiente, do Ibama, da Marinha e da ANP – e concluiu que o governo federal violou ao menos oito procedimentos previstos no documento.

Outros fatos sugerem que o governo teve uma reação lenta. A Marinha só passou a fazer atualizações regulares sobre a situação das praias do Nordeste a partir de 8 de outubro. Já o Ibama, a partir de 25 de setembro – e só no dia 24 de outubro é que o órgão publicou um panfleto com instruções básicas para voluntários, como os cuidados necessários para manipular o óleo.

O esforço dos governos

governo federal diz que 3.919 servidores e mais de 5.000 militares estão atuando nas áreas afetadas. Isso inclui funcionários do Ministério do Meio Ambiente, da Petrobras, da Marinha, do Exército, da ANP, universidades, entre outros.

Além de remover o petróleo das praias afetadas, esses órgãos trabalham patrulhando a costa com embarcações e aeronaves à procura novas manchas de óleo. Foi disponibilizada ainda, segundo o governo, uma frota de dez navios, sete aviões, seis helicópteros e dezenas de veículos para ajudar nos trabalhos.

Há ainda uma investigação criminal, na qual a Polícia Federal está envolvida, para tentar chegar ao responsável pelo derramamento.

Prefeituras e governos dos estados afetados também trabalham, mas não há números centralizados sobre suas atuações. Pernambuco, por exemplo, abriu um edital de R$ 2,5 milhões para medir o impacto ambiental do desastre e disponibilizou 400 funcionários para ajudar nos trabalhos. Já a Bahia Pesca, órgão estadual, anunciou que está fazendo um estudo com 200 peixes para determinar se é seguro consumi-los.

O papel das ONGs

De novo, o governo Bolsonaro se voltou contra ONGs (Organizações Não Governamentais) durante uma crise ambiental, como já havia acontecido durante os incêndios na Amazônia.

Sem apresentar evidências, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, chegou a insinuar em tweet que um navio do Greenpeace poderia ter responsabilidade pelo desastre, pois um barco da ONG “estava justamente navegando em águas internacionais, em frente ao litoral brasileiro bem na época do derramamento de óleo venezuelano”. Depois, voltou atrás e disse que a ONG tinha um navio perto do local onde foram encontradas manchas de óleo e “não se prontificou” a ajudar.

Em todo caso, o Greenpeace, outras organizações não governamentais e redes de voluntários locais estão atuando na resposta ao desastre ambiental. Abaixo, há uma lista com nove organizações, compilada por Aos Fatos, com atividades programadas nas regiões afetadas.

1. Bahia:
Guardiões do Litoral
2. Pernambuco:
Salve Macaraípe
Xôplastico
Recife sem Lixo
3. Rio Grande do Norte
ONG Oceânica
4. Alagoas
Projeto Praia Limpa
Instituto Biota
5. Ceará
Instituo Verde Luz
6. Atuação geral
Atados

O destino do óleo

Não há um número preciso de quanto petróleo já foi coletado do litoral nordestino. O governo federal fala que já recolheu cerca de 1.000 toneladas do óleo, mas o governo de Pernambuco, por exemplo, afirma que já foram mais de 1.400 toneladas só no litoral do estado. Ao jornal O Globo, o governo de Alagoas informou já ter retirado 726 toneladas até sexta-feira (25).

O destino de todo o óleo recolhido depende de cada estado. A UFBA, por exemplo, tem um projeto para transformar os rejeitos em carvão. Já Pernambuco está encaminhando o material para um aterro, onde ele é processado, refinado e transformado em combustível para caldeiras.

Em nota, a Marinha afirmou que estava em contato com o Sindicato Nacional das Indústrias de Cimento (SNIC) e com a Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP) para avaliar o uso do óleo em coprocessamento. Esse nome é dado ao processo pelo qual rejeitos são reaproveitados na fabricação de novos produtos. A técnica pode ser usada, por exemplo, para alimentar fornos na fabricação de clínquer, base do cimento, segundo resolução do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente).

Quem vai pagar

O decreto que cria o PNC define que o responsável pelo derramamento deve arcar com todos os custos. Mas, até que ele seja identificado, quem paga pela operação é o governo federal.

Fonte: https://aosfatos.org/noticias/o-que-se-sabe-ate-agora-sobre-o-derramamento-de-petroleo-no-nordeste/

Por Ana Rita Cunha e Bruno Fávero |28 de outubro de 2019, 13h45