Tadeu Roque de Cristo Júnior, zootecnista, técnico em apicultura biolabore e apicultor profissional na região de Maringá, perdeu 25% da colmeia há dois anos, em função de uma deriva mal feita. Na prática, o movimento do produto no ar durante ou depois da aplicação para um local diferente do planejado, ou seja, o defensivo agrícola não atingiu o alvo exato durante a aplicação, mas para fora da área correta, pela ação do vento ou até mesmo por problemas no equipamento utilizado no processo. Ele relatou a experiência durante uma audiência pública proposta pelo deputado federal Tadeu Veneri (PT), presidente da Comissão de Direitos Humanos e da Cidadania da Assembleia Legislativa do Paraná. Foi na manhã desta terça-feira (14) em formato remoto. O deputado realizou o encontro com agricultores, apicultores e especialistas a pedido do Fórum Regional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, da região de Maringá. O objetivo é buscar formas para combater a deriva dos agrotóxicos na Sericultura (criação do bicho da seda), Meliponicultura (criação de abelhas sem ferrão) e Vitinicultura (cultivo da uva), na região Noroeste.

“Por lá, crescem as denúncias sobre os graves impactos no campo.  Um risco inclusive do colapso das colmeias, da mortandade dos bichos da seda por contaminação às amoreiras com diminuição da produção de casulos, entre outras questões. E quem fica com o prejuízo é o pequeno produtor rural, que acaba deixando de lado sua produção para buscar outras fontes de renda e, por consequência, nós, como sociedade e como consumidores, já que deixamos de ter produtos de qualidade e com preço justo, que fazem nossa economia girar de modo sustentável”, disse o deputado.

Essa não é a primeira vez que acontece uma audiência sobre o tema. Em março deste ano, diversos deputados, sob a liderança de Professos Lemos (PT) promoveram uma discussão, que serviu para a coleta de sugestões para aprimorar um projeto de lei em tramitação na Casa de Leis e assinado por dez parlamentares. Ele prevê a regulamentação do uso e da aplicação de agrotóxicos no Paraná, proibindo a aplicação de qualquer tipo de agrotóxico numa distância mínima de 250 metros por terra (por qualquer meio) e 500 metros por aplicação aérea de diversos estabelecimentos em área rural, como por exemplo, aqueles que ficam próximos a criação de animais e culturas suscetíveis a danos.

O Paraná é o terceiro maior consumidor de agrotóxicos do Brasil, segundo dados da Secretaria Estadual da Saúde.

E o efeito dos agrotóxicos é a contaminação de todo o ecossistema, dizem os pesquisadores. Para Lucimar Pontara Peres, pesquisadora e professora do mestrado em Agroecologia da Universidade Estadual de Maringá (UEM), a deriva mata muito mais que as abelhas, por exemplo. “Mata os besouros e outros insetos polinizadores. Isso pode ser resolvido se adotarmos ações e legislações com punições mais severas para os infratores. São estratégias para salvar o ecossistema e, consequentemente, o homem”, avaliou.

Werner Genta, engenheiro agrônomo e presidente da Associação Norte Paranaense de Estudos em Fruticultura (ANPEF), detalhou que as plantações de uva na região estão diminuindo. Ele atribui a redução à aplicação de um produto que passou a deformar os parreirais. Isso, segundo Werner, teria ocorrido ano passado na região de Marialva.  O produto, um herbicida, teria afetado muitas áreas, pelos estudos feitos. “Mas, infelizmente, não é possível comprovar. Contudo, os sintomas nas plantações atingidas, algumas a 1500 metros de distância do local onde teria sido feita a aplicação, foram similares”, constatou. “Foram atingidas 72 áreas de plantações em pelo menos oito municípios. O que é muito grave”, acrescentou.

Os danos a que o especialista se referiu foram queda, mudança na coloração para o tom avermelhado, pouco desenvolvimento dos ramos e ressecamento das folhas. “A videira é extremamente sensível aos produtos e os técnicos não estão suficientemente preparados para a aplicação. Tanto que na época, a empresa foi avisada e notificada pela Adapar. Assumiu o erro, contratou uma equipe de perícia e acabou indenizando os produtores prejudicados. Foi a primeira vez que vi isso acontecer”, relatou.

Para um problema complexo, Werner Genta defende que não são necessários apenas debates, mas uma solução também complexa. “Creio que o próprio fabricante deveria subsidiar pesquisas para tentar melhorar os efeitos danosos de seus produtos. Já procurei a Embrapa e outras instituições, mas nada foi feito”, ressaltou.

Eliza Maria Teixeira, fiscal de defesa agropecuária da Regional SEAB Maringá – Adapar (Agência de Defesa Agropecuária do Paraná), alegou que para a fiscalização ser efetiva, o trabalho deve ser integrado. “Sei que as multas são irrisórias e, com isso o próprio maquinário chega para o produtor violado, muitas vezes. Não há preocupação dos fabricantes em oferecer um produto de qualidade. Estamos atuando, mas não podemos agir sozinhos”.

Estratégias – Nelson Harger, diretor de Extensão Rural do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná, explicou que, através de um trabalho integrado entre Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento (SEAB), Federação da Agricultura (FAEP), Adapar, Fetaep, Ocepar e o IDR, foram estabelecidas ações de combate à deriva. “Existe um problema grave em relação a este tema. Na última safra tivemos uma série de fatores, como falta de uso correto de tecnologia associados aos fatores climáticos. Mas insisto: o trabalho integrado é o caminho”, ressaltou.

Entre as estratégias adotadas, Harger explicou que, além da criação do grupo, o trabalho por atividades, com prioridade para a sericultura, a fruticultura e a avicultura é uma fiscalização focada. “Já definimos os planos de ação nos municípios envolvendo os atores locais, georeferenciamento, mapeando e cadastrando os produtores, inspeção de máquinas e também atuando em cursos de capacitação, em parceria com a FAEP, tanto no manejo, como no maquinário, porque a inspeção desse equipamento necessita de muito conhecimento técnico. O objetivo é atuarmos cada vez mais na prevenção, antes de vermos as consequências “, destacou.

Outras participações – Participaram do debate, os representantes dos trabalhadores em Sericultura, José Pinheiro Gonçalves e José Lourenço;  Prof. Dr. José Ozinaldo Alves de Sena, da UEM; Kazumichi Koga, do Conselho Regional de Medicina em Maringá; Margaret Matos de Carvalho, procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho no Paraná; (ambos relataram os casos de doenças, especialmente o câncer, associadas ao consumo de alimentos contaminados por excesso de agrotóxicos); Naiara Andreoli Bittencourt, advogada da Organização de direitos humanos Terra de Direitos;  Walter Fernandes, representante do Fórum Estadual de Combate aos Agrotóxicos; que sugeriu utilizar recursos do Fundo Municipal de Meio Ambiente na fiscalização; Raimundo Carvalho Franco Reis, fiscal da Regional de Saúde – seção de Vigilância Sanitária, Ambiental e Saúde do Trabalhador; Fábio Alcuri, do Ministério Público do Trabalho e coordenador do Fórum; Ricardo Witzel, servidor do Centro de Apoio das Promotorias de Justiça e Proteção ao Meio Ambiente e de Habitação e Urbanismo do Ministério Público, além do deputado Arilson Chiorato (PT), que demonstrou a preocupação com o abuso dos agrotóxicos e a deriva mal feita. “O processo da deriva é muito preocupante. Os produtores, a maioria pequenos, perdem toda a renda e o Estado precisa ter multas mais altas e uma fiscalização mais intensa. E a própria justiça necessita de mais agilidade, porque muitas vezes demora para agir”, finalizou.

 

 

Da Assembleia legislativa.