Professores ouvidos pelo G1 dizem que sistema ainda não atinge a totalidade dos estudantes; pais e alunos tentam criar dentro de cada uma nova rotina.
Pouco mais de um mês depois do ensino remoto ser implantado pelo Governo do Paraná, nem todos os alunos estão participando e parte dos professores ainda está se adaptando às novas ferramentas disponíveis.
Professores ouvidos pelo G1 dizem que, em média, cerca de 30% dos alunos de cada turma assistem às videoaulas e entregam as atividades propostas pelo aplicativo.
Os demais, ainda conforme os educadores, têm dificuldades para acompanhar as aulas, seja por falta de internet onde mora, porque não têm computador ou celular disponíveis ou por falta de interesse.
Diene Eire de Mello, pós-doutora em Educação a Distância e professora do Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual de Londrina (UEL), chama atenção sobre a forma como as aulas estão sendo repassadas aos alunos.
Sem possibilidade de interação simultânea e gravações de forma mecânica, o formato não pode ser considerado educação a distância, mas sim remoto.
“Não se pode tratar todas as escolas igualmente, as realidades são distintas para cada colégio. É preciso ter estratégia, organização e planejamento próprio. O modelo implantado pelo estado não é adequado, continua focado nas aulas presenciais, não permite interação. Isso não é educação a distância, é outra coisa”, explicou Diene Eire de Mello.
Rotina diferenciada
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Mãe das gêmeas Amanda e Gabriela, Cristiane diz que meninas estão se dedicando mais para os estudos na nova rotina — Foto: Cristiane de Mello/Arquivo Pessoal
A adaptação a essa nova rotina também faz parte da vida de muitos estudantes e de pais dos alunos.
As gêmeas Amanda e Gabriela de Mello de Oliveira, de 11 anos, estudam no 7° ano do Colégio da Polícia Militar em Curitiba. Depois de um mês com muita preocupação e ansiedade, passando quase o dia todo fazendo atividades escolares, agora elas conseguiram adotar uma rotina adequada.
“Está sendo uma experiência única, mudou bastante a nossa rotina. Chegamos um dia no colégio e falaram que não teríamos mais aulas, que era para ficarmos em casa. Fomos pegas de surpresa”, diz Amanda.
“No início foi bem difícil porque não sabíamos se fazíamos as atividades propostas pelo Aula Paraná ou pelo Google Classroom. É uma dinâmica diferente. O ponto positivo de tudo isso é que temos aulas e mesmo que os conteúdos não sejam os mesmos da onde a gente parou, os professores estão sempre à disposição”, explicou Gabriela.
“O principal ponto negativo é a falta do professor. Quando a gente está na sala podemos perguntar e na hora ele responde. Além disso, a gente perde muito o foco e a concentração nas aulas online”, concluiu Amanda.
Nestas horas, a mãe Cristiane de Mello ajuda as meninas a se dedicarem aos estudos e também a entenderem que é algo novo para todo mundo.
“Algumas vezes elas ficaram bem estressadas, porque estavam vindo muitas atividades. Elas também ficam ansiosas porque não sabem como serão as avaliações, não sabem como serão dadas as notas. O aprendizado está ocorrendo porque elas estão muito dedicadas e envolvidas”, conta a fisioterapeuta.
Assim como em vários colégios públicos, na escola das irmãs foram criados grupos no WhatsApp para facilitar o entendimento das atividades e conteúdos.

Mãe de alunas da rede estadual de ensino diz que nova metodologia é desafiadora
Aulas remotas há um mês
Lançada na primeira semana de abril, a plataforma Aula Paraná foi uma maneira que a Secretaria Estadual de Educação do Paraná (SEED) encontrou para não deixar os mais de um milhão de crianças e adolescentes sem aprendizado neste período de pandemia de coronavírus.
As aulas foram suspensas no dia 20 de março. O recesso de julho foi adiantado entre os dia 23 de março e 5 de abril.
São oferecidas videoaulas transmitidas por canais digitais da TV Aberta, inseridas em um canal do Youtube e ainda estão em um aplicativo criado para este momento. O estado também adotou o aplicativo Google Classroom, onde os professores inserem atividades e materiais de suporte. É por lá também que os alunos devem entregar os conteúdos.
Muitas escolas também adotaram o WhatsApp para ajudar os alunos neste período. Grupos de turmas foram criados para sanar dúvidas e para aproximar a comunidade escolar.
De acordo com a SEED, desde o início de abril, o canal no Youtube foi visualizado 17 milhões de vezes e tem 260 mil inscritos.
O aplicativo Aula Paraná foi baixado em 800 mil aparelhos e 540 mil alunos estão conectados ao Google Classroom. Entre os professores da rede estadual, 97% já acessaram a plataforma. Conforme o governo, 1.060 videoaulas já foram exibidas.
A secretaria afirma que, até quarta-feira (20), 40 mil alunos, que não têm internet e televisão, estão recebendo o material impresso nas escolas. A atividades são distribuídas a cada 15 dias, na mesma data da distribuição da merenda.
Peculiaridades e críticas
Sem data certa para voltar às aulas presenciais, o governador Ratinho Júnior acredita que isso só deve ocorrer depois de agosto, as aulas remotas estão sendo contadas como parte do ano letivo e não há perspectiva de reposição de conteúdo após a retomada.
Os números virtuais impressionam, mas, na prática, especialistas em educação alertam que esse método pode aumentar as desigualdades e que não se pode dizer que ao acessar as ferramentas o aluno está aprendendo.
“Não se pode tratar todas as escolas igualmente, as realidades são distintas para cada colégio. É preciso ter estratégia, organização e planejamento próprio. O modelo implantado pelo estado não é adequado, continua focado nas aulas presenciais, não permite interação. Isso não é educação a distância, é outra coisa. O material para a educação a distância não pode ser uma palestra”, explicou Diene Eire de Mello, pós doutora em Educação a Distância e professora do Programa de Pós-Graduação da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Para Diene de Mello o que o governo está fazendo é reproduzir a sala de aula para a sala da casa do aluno. Para ela, como não foi feito um planejamento adequado, especialistas em educação e gestores de colégios não foram ouvidos antes do lançamento da ferramenta, a educação dos milhares de jovens pode ser prejudicada.
Visão dos professores

Professor de Arte diz que ensino remoto não foi planejado adequadamente
Enquanto há a análise sobre como os formatos das aulas remotas foram planejadas pelo estado e a preocupação em não excluir nenhum aluno, por outro há a crítica de professores de que não houve formação adequada antes do lançamento do recurso.
Doris Munhoz de Lima é professora de português no Colégio Estadual Bandeirantes, em Campina Grande do Sul, na Região Metropolitana de Curitiba. Ela entende que as videoaulas foram uma resposta rápida da secretaria para a situação que o estado e o país estão vivendo atualmente.
No entanto, afirma que os professores das escolas públicas não estavam preparados.
“Não temos o hábito de usar essas ferramentas e a realidade da escola pública é diferente. Os professores não tiveram nenhuma formação anterior. Não basta achar que ter um celular capacita para tudo”, analisa.
A pedagoga Ana Paula Mehre diz que a mudança foi muita rápida e brusca, não se teve tempo hábil para organizar o processo de ensino e também estruturar a tecnologia usada.
“Como pedagoga, converso com os professores para mudar a metodologia de ensino, para pensar em atividades que possam contribuir com o aprendizado. Mas isso não substitui os professores. Não se pode mais subestimar a figura do professor. A troca em sala de aula não pode ser deixada de lado”, explica a educadora que também divide o tempo dando aulas na rede municipal de ensino de Curitiba e no Ensino de Jovens e Adultos.
O professor de Arte Jean Carlos Franzoi Dernis, que ministra aulas no Colégio Estadual Bandeirantes e no Colégio Estadual Timbu Velho, faz uma análise crítica da ferramenta oferecida. Assista ela completa no vídeo acima.
“A gente sabe que a escola pública nunca foi preparada para usar as tecnologias da informação, nunca se priorizou isso de verdade. Na escola há uma lousa digital encaixotada, dois ou três projetores para mais de dez turmas e a quantidade de computadores é insuficiente. É uma questão de alfabetização digital, muitos dos nossos alunos nunca passaram por isso de verdade”, analisa o professor.
Além dessas dificuldades, os professores apontam que as aulas passadas na TV não seguiram o planejamento que estava sendo adotado antes da suspensão das atividades presenciais.
“Coloquei algumas atividades que tinha preparado para dar para eles [estudantes] no Google Classroom para ajudá-los nas aulas da TV. Também inseri vídeos do Youtube de professores que têm essa experiência com câmera para deixar o conteúdo mais atrativos e selecionei materiais que pudessem atrair mais. Isso tudo só é acessado por quem consegue entrar na plataforma”, disse a professora Doris.
As educadoras ainda fazem uma ressalva, mesmo que crianças e adolescentes saibam acessar WhatApp, Facebook ou outros aplicativos de interação social, eles não têm maturidade para vivenciar o ensino à distância. Muitos não sabem como anexar um arquivo de Word em um e-mail ou na própria plataforma.
“Vejo que os alunos vão sentir muito esse período, muito conteúdo será perdido, mesmo com o esforço de todos. Vai faltar base para a construção de conteúdos futuros. Alunos de todas as séries serão prejudicados. Depois desse período de pandemia será necessária uma readaptação do currículo, o currículo escolar terá que ser flexibilizado”, afirma a pedagoga Ana Paula Mehre.
E quando tudo voltar?
Sem data definida para voltar às aulas, a dúvida de educadores, pais e alunos é, e quando tudo voltar ao normal como vai ser?
Cristiane de Mello, mãe das estudantes do Colégio Estadual da Polícia Militar e profissional de saúde, espera que as aulas só voltem quando a situação estiver normalizada.
“Tenho medo de um retorno antecipado. As crianças se abraçam, trocam de materiais, e a gente sabe que nem todos os cuidados serão tomados como a gente adota em casa”, diz.
A professora da UEL Diene Eire de Mello enfatiza que é preciso ter calma e paciência. Não é o momento de exigir entrega de atividades pelos alunos.
“Se as crianças não fizeram nada, só o fato do professor e da escola interagirem com as famílias já é um ganho imenso”, afirma.
“Penso que o professor ao se acostumar com essas novas ferramentas de ensino não viverá sem elas quando tudo voltar ao normal, assim como os alunos. Quero acreditar que isso será incorporado nas aulas presenciais”, enfatizou Diene de Mello.
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