Uma série de pontos distintos está por trás da crise hídrica no Brasil, do iminente apagão elétrico e dos altos custos da energia elétrica. Entre eles estão a destruição de biomas, a precarização de postos de trabalho, as privatizações e a diminuição das funções sociais das empresas públicas em detrimento do aumento de lucro de acionistas. Estes foram os principais assuntos abordados durante uma audiência pública realizada remotamente pela Assembleia Legislativa do Paraná nesta segunda-feira (25). A proposição foi dos deputados Goura (PDT) e Requião Filho (MDB).

Com o objetivo de debater a crise hídrica e energética no País, o risco de apagão e os custos do aumento da energia, além de debater a infraestrutura brasileira, o papel da União e estados, empresas e a falta de investimentos no setor, a audiência contou com a participação de deputados, especialistas e estudiosos da área. Durante as falas, os participantes apontaram possíveis soluções para o problema que pode trazer grandes prejuízos.

De acordo com o deputado Goura, a audiência aprofundou a discussão do papel das empresas públicas de energia e a falta de investimentos no setor. “No ano passado realizamos uma série de audiências sobre a questão dos nossos reservatórios de Curitiba e todo sistema de abastecimento. O que estamos vivendo não é algo que está fora do radar. O alerta tem sido dado há muito tempo. Quero reforçar a importância e os encaminhamentos dessa audiência”, disse.

O deputado Requião Filho lembrou a importância do papel da Companhia Paranaense de Energia (Copel) em todo o debate. “O Paraná tinha uma empresa que investia no lucro social. A Copel agora deixou de investir em geração de energia aqui no Estado. O mesmo acontece em nível federal. Os investimentos não acontecem mais. Não há mais a geração de energia como ferramenta de desenvolvimento. Hoje, as empresas só se preocupam com o lucro de investidores. Com uma energia mais cara possível ao consumidor. Esta audiência é muito importante para entendermos que privatização não vai diminuir os custos. Sempre temos o maior custo com menos investimentos”, destacou. “Tenho uma preocupação grande na questão de energia. É um serviço essencial para a população”, disse o deputado Soldado Fruet (PROS), que também participou do debate.

Copel – Para Leandro Grassman, presidente Sindicato dos Engenheiros no Estado do Paraná (Senge-PR), a Copel perdeu sua função social. “A Copel não tem mais função social. O que existe agora é a maximização dos lucros, a redução de investimentos, a redução de quadros de empregados, venda de ativos e uma gestão sem transparência. Por outro lado, a empresa trabalha para melhorar o retorno dos acionistas”, disse.

Na visão de Grassman, algumas ações são necessárias para reduzir a tarifa para a população. “Em curto prazo, precisamos da redução de desvios de dinheiro para acionistas, além de reajustes menores pela concessionária. Em longo prazo, a Copel precisa investir em pesquisa, aumentar investimentos em fontes renováveis, incentivar o uso de Geração Distribuída por pequenos consumidores, prever uso da sazonalidade de fontes renováveis. Também é preciso rever o modelo elétrico como um todo”, sugeriu.

Sérgio Ignácio Gomes, engenheiro eletricista e autor do artigo “A Crise Hídrica, a Operação do Setor Elétrico e a Economia Brasileira” também abordou a questão acionária da Copel. Em seu encaminhamento, o engenheiro sugeriu o que chama de “uma tentativa de articulação para questionar o processo de transferência acionária da Copel. Seria importante se fazer uma auditoria em todo processo de apropriação de patrimônio público”, explicou. Segundo ele, os grandes lucros da companhia – quase R$ 4 bilhões no último ano – são distribuídos para os acionistas e não investidos. “É por isso que precisamos auditar. A Copel se tornou objeto de especulação financeira. O Brasil não tem soberania energética”, frisou.

Meio ambiente – A pesquisadora associada do Grupo de Economia de Energia do Instituto de Economia da UFRJ e diretora do Instituto Ilumina, Clarice Campelo de Melo Ferraz, chamou a atenção para o aumento da temperatura média no País. Segundo a estudiosa, o Brasil caminha para um aquecimento mínimo de quase dois graus em sua temperatura. Isso significa um clima extremamente seco, com perda de umidade do solo. “É uma mudança muito grande. Estamos perdendo reservas de vida, nos deixando em situação de crise. Temos de sair do uso de combustíveis fósseis, mas isso é radical, pois nosso modo de vida está calcado nisso”. Ela explicou que a geração de energia utilizando a base hidráulica somada à base fóssil gera maior liberalização de carbonização, grande dependência do modelo, além de altos custos. A pesquisadora sugeriu a utilização da base hidráulica combinada com uso da energia solar, eólica e biomassa, tendo como resultados uma energia mais barata, mais bem coordenada e limpa, com menos liberação de carbono. “Não devíamos estar passando por esta crise. Temos reservatórios grandes, temos os elementos de resposta, mas não estamos usando”, ponderou.

Márcia Cristina Mendes Marques, professora titular da Universidade Federal do Paraná (UFPR), doutora e mestre em Biologia Vegetal, professora visitante na University of Aberdeen (Reino Unido) e na Université du Québec à Montréal (Canadá), chamou atenção para o paradoxo de se estar discutindo crise hídrica no Brasil, país que detém 12% de toda responsabilidade hídrica superficial do mundo. “Há uma dependência da Amazônia e do cerrado para abastecimento das fontes hídricas. O desmatamento dessas duas áreas é a raiz da crise hídrica”, observou. Segundo ela, nos últimos 36 anos houve uma perda de vegetação 15% Amazônia e de 73% do cerrado. Já a perda de superfície de água neste período chegou a 7,59%. Entre pontos para reverter o problema, a especialista apontou a retomada da gestão ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), o fim do financiamento público para o desmatamento, o cumprimento da Lei de Proteção da Vegetação Nativa, além de investimentos em segurança hídrica, a transição energética para renováveis não poluentes e o fortalecimento da gestão da água.

Eletrobrás – Fabiola Latino Antezana, engenheira florestal que atua na Eletrobras, além de ser diretora no Sindicato dos Urbanitários do Distrito Federal, tratou do processo de privatização da Eletrobrás. “Quem vai comprar essas ações são grandes corporações, não instituições que conhecem o sistema energético. Elas querem a maximização dos lucros e dividendos. Por isso, não se trata de uma crise hídrica. Não é uma estiagem de um ano que vai acabar com a produção de energia. Não é falta de chuva em um ano que vai causar esse prejuízo. Desde 2018, a Eletrobrás não investe em políticas de geração. Nada mais é que uma opção de gestão para privatizar essas empresas, preterindo os consumidores para valorização do lucro. Também há a precarização do serviço, que reflete na possibilidade de apagão, não pela falta de energia, mas por falta de mão de obra”, disse.

O ex-deputado federal Nelton Friedrich, que atuou como secretário do Interior, cuidando de áreas como energia, habitação, água, saneamento básico e meio ambiente, explicou que o que ocorre é um desmonte do serviço público de energia. “Estamos vivendo o apagão da memória, do que já aconteceu. Em momentos de grave situação na questão energética, sempre houve o período pré-privatização, com períodos sem investimentos. A privatização da Eletrobrás é um desastre. É um jogo de cassino sem controle do governo. Não há uma lógica desenvolvimentista e da justiça social”, avaliou.

Da Assembleia legislativa.